"Sempre que começo o Butoh, sinto uma hesitação, por não saber por onde começar. Mesmo quando pensamos sobre o que é "viver", vemos que normalmente o Butoh se preocessa num inter-relacionamento de duas atitudes, aparentemente opostas, que coexistem: a humanitarista, baseada em amor profundo e altos ideais; a realista, fundamentada nos desejos e necessidades mais diretas. Penso que o Butoh não teria existência própria, se o separássemos do ato de viver. Mas, por mais que se diga isso, não consigo deixar de hesitar todas as vezes que deparo com a questão: por onde começar? Começo sem sentir que essa hesitação significaria negar, sob um aspecto, o viver. Só posso concluir que é exatamente nesse processo denso da vida e nas situações de hesitação está o real começar do Butoh.
O Butoh começa nos movimentos cotidianos do corpo. Quando aparece alguém querendo fazer Butoh, sempre digo que isso levaria pelo menos cinco anos. Durante esse período, o aprendizado se realiza embasado não se sabe se na constante conscientização da análise e síntese dos movimentos do próprio corpo ou se no aprofundamento do conhecimento sobre o processo de viver, se em nenhum dos dois ou em ambos.
A sabedoria de viver, o respeito à vida, tanto de si como a de outros, o reconhecimento da Natureza, são temas que vão surgindo no processo do aprendizado. As dores de uma existência ou então os seus prazeres, os sofrimentos que marcam as nossas próprias vidas, as dádivas da Natureza e a sua destruição são para mim, fenômenos especialmente caros.
Os ferimentos que recebemos nos nossos corpos cicatrizam e se curam com o tempo. Os ferimentos que recebemos no nosso âmago, se aceitos e contemporizados, farão nascer, ao longo dos anos e das experiências, alegrias ou tristeza que, um dia, nos conduzirão para um mundo de poesia, impossível de expressar por palavras, só por meio do nosso próprio corpo.
Em matéria de se ensinar o Butoh, existem coisas que podem ser ensinadas e outras que não. Suponhamos que estivéssemos conduzindo lições/aulas com o tema "Pai Nosso".
Cada um de vocês tentaria expressar, através do corpo, todos os movimentos que o tema lhes inspiraria. E eu os compreenderia todos, por menores que fossem. Mas o problema começaria dali em diante.
Para mim, dançar com o único objetivo de fazer os outros entenderem as imagens que o tema evoca é apenas uma questão anterior ao Butoh; o problema se encontra daí para frente.
O importante é sua postura diante da vida e de sentimentos que decorrerem do processo vivencial, contidos nas verdades do "Pai Nosso". Além disso, a seriedade do viver e de como vocês vão se confrontar com esse problema, constitui o aspecto mais importante. E sobre isso nada posso lhes ensinar. É preciso que cada um de vocês façam uma reflexão. Na minha opinião, vocês devem estar procurando no Butoh uma oportunidade para travar um duelo consciente com o solene ato de viver. Disse-lhes, antes, que levaria pelo menos cinco anos para aprender o Butoh. Nos simples movimentos que se ensinam nestes primeiros anos e também nos procedimentos do dia-a-dia já se incluem, com certeza, essas coisas que lhes disse, que são impossíveis de se ensinar e de se descrever por palavras."
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